Os
projetos urbanos principalmente das médias e grandes cidades atendem às
projeções que as grandes empresas e empreiteiras fazem para seu próprio
beneficiamento. Esses projetos se vinculam aos interesses daqueles que
financiam as campanhas políticas, se valem de propriedades e terrenos do Estado
e, muitas vezes, são feitos através de leilões irregulares, construídos com
ausência de estudos de impacto de vizinhança e impacto ambiental, sem a
autorização das instituições competentes. Uma das artimanhas da especulação
imobiliária é valorizar determinadas regiões da cidade em detrimento de outras
e, quando nessas regiões de interesse residem as pessoas de menor poder
aquisitivo, estas são desapropriadas de suas casas, sendo remanejadas para outros
locais, quase sempre nas periferias da cidade. Sem chance de escolha, sem
diálogo. Deixo aqui a indicação do filme: Aquarius (2016).
A
própria lógica da construção desses empreendimentos faz com que a população não
se sinta incluída nessas novas paisagens, como se as pessoas estivessem fora de
contexto. Inclusive pelo tipo de policiamento racista que o Estado emprega
nessas regiões. Isso muda toda uma relação do indivíduo com a cidade, faz com
que se perca a territorialidade que os moradores haviam construído em
determinados lugares, processos esses, que privatizam e restringem o acesso. Um
grande exemplo da negação do espaço público para grandes parcelas da sociedade
são as conhecidas “torres gêmeas” em Recife, no Pernambuco. Elas não possuem relação
cultural alguma com aquela região do centro da cidade, onde foram construídas.
Inclusive a construção dessas torres levou ao impedimento do sítio histórico do
centro de Recife ser considerado patrimônio da humanidade, pela Unesco, já que
altera toda a arquitetura histórica local, anulando a ideia de paisagem
cultural.
Essas
torres ficam no cais de Santa Rita, mesmo local em que, no dia 03 de junho,
ocorreu a morte do menino Miguel Otávio Santana Da Silva. Enquanto a mãe de Miguel estava sendo obrigada a
trabalhar em meio à pandemia, ela recebeu a ordem de passear com os cachorros
da patroa. Deixando seu filho aos cuidados de Sari Corte Real, a primeira dama
de Tamandaré, que, ao ouvir o menino reclamando pela mãe, foi com ele até o
elevador, apertou o nono andar e abandonou o garoto. Ele então, se perde dentro
do prédio e cai do nono andar. Ao analisar o caso, enxergamos as
diferenças de tratamento que são destinadas aos cachorros da patroa e ao filho
da empregada, resquícios notáveis da escravidão no Brasil.
Em um
país onde a vida de um garoto negro vale menos
do que os caprichos de uma mulher branca e rica, é necessário saber que
o racismo e a segregação social são fatores estruturais e estruturantes da
sociedade. E, quando falamos em segregação
social/racial, é também no sentido de que, os planejamentos urbanos são parte
da manutenção de um sistema racista, que separa espacialmente a elite dos
trabalhadores. Grandes exemplos dessa segregação são os Shoppings Centers que, assim
como os condomínios, são simulações do espaço público, mas que só podem ser
acessados por quem pode morar ou consumir os produtos e serviços que ali se
encontram. Vivenciar esses locais como lazer é um privilégio dos que podem
pagar, aqueles que não podem, são empregados nas mais diversas funções de
serviços, que se fazem necessários para a manutenção desses espaços como são.
Foto: Twitter @recifeordinario
PETianos: Andressa
Hoffmann e Thiago Batista