sexta-feira, 26 de junho de 2020

Racismo estrutural e a construção do espaço urbano


Os projetos urbanos principalmente das médias e grandes cidades atendem às projeções que as grandes empresas e empreiteiras fazem para seu próprio beneficiamento. Esses projetos se vinculam aos interesses daqueles que financiam as campanhas políticas, se valem de propriedades e terrenos do Estado e, muitas vezes, são feitos através de leilões irregulares, construídos com ausência de estudos de impacto de vizinhança e impacto ambiental, sem a autorização das instituições competentes. Uma das artimanhas da especulação imobiliária é valorizar determinadas regiões da cidade em detrimento de outras e, quando nessas regiões de interesse residem as pessoas de menor poder aquisitivo, estas são desapropriadas de suas casas, sendo remanejadas para outros locais, quase sempre nas periferias da cidade. Sem chance de escolha, sem diálogo. Deixo aqui a indicação do filme: Aquarius (2016).
A própria lógica da construção desses empreendimentos faz com que a população não se sinta incluída nessas novas paisagens, como se as pessoas estivessem fora de contexto. Inclusive pelo tipo de policiamento racista que o Estado emprega nessas regiões. Isso muda toda uma relação do indivíduo com a cidade, faz com que se perca a territorialidade que os moradores haviam construído em determinados lugares, processos esses, que privatizam e restringem o acesso. Um grande exemplo da negação do espaço público para grandes parcelas da sociedade são as conhecidas “torres gêmeas” em Recife, no Pernambuco. Elas não possuem relação cultural alguma com aquela região do centro da cidade, onde foram construídas. Inclusive a construção dessas torres levou ao impedimento do sítio histórico do centro de Recife ser considerado patrimônio da humanidade, pela Unesco, já que altera toda a arquitetura histórica local, anulando a ideia de paisagem cultural.
Essas torres ficam no cais de Santa Rita, mesmo local em que, no dia 03 de junho, ocorreu a morte do menino Miguel Otávio Santana Da Silva. Enquanto a mãe de Miguel estava sendo obrigada a trabalhar em meio à pandemia, ela recebeu a ordem de passear com os cachorros da patroa. Deixando seu filho aos cuidados de Sari Corte Real, a primeira dama de Tamandaré, que, ao ouvir o menino reclamando pela mãe, foi com ele até o elevador, apertou o nono andar e abandonou o garoto. Ele então, se perde dentro do prédio e cai do nono andar. Ao analisar o caso, enxergamos as diferenças de tratamento que são destinadas aos cachorros da patroa e ao filho da empregada, resquícios notáveis da escravidão no Brasil.
Em um país onde a vida de um garoto negro vale menos do que os caprichos de uma mulher branca e rica, é necessário saber que o racismo e a segregação social são fatores estruturais e estruturantes da sociedade. E, quando falamos em  segregação social/racial, é também no sentido de que, os planejamentos urbanos são parte da manutenção de um sistema racista, que separa espacialmente a elite dos trabalhadores. Grandes exemplos dessa segregação são os Shoppings Centers que, assim como os condomínios, são simulações do espaço público, mas que só podem ser acessados por quem pode morar ou consumir os produtos e serviços que ali se encontram. Vivenciar esses locais como lazer é um privilégio dos que podem pagar, aqueles que não podem, são empregados nas mais diversas funções de serviços, que se fazem necessários para a manutenção desses espaços como são.


Foto: Twitter @recifeordinario
















PETianos: Andressa Hoffmann e Thiago Batista

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